Doença Falciforme e Dor

Doença falciforme (DF)

Doença falciforme (DF) é o nome de um grupo de doenças do sangue que afetam a hemoglobina. É uma doença sanguínea hereditária que afeta 20 milhões de pessoas em todo o mundo. (NIH National Heart, 2024) Sua denominação deriva dos eritrócitos (glóbulos vermelhos) em forma de foice que fazem parte da doença. O formato rígido de foice impede que as células sanguíneas se movam facilmente pelos vasos sanguíneos, causando crises vaso-oclusivas que podem levar a isquemia distal, infecções, retinopatia, dor e derrames.

O espectro da dor

Para as pessoas com doença falciforme crônica, a dor é um sintoma predominante que pode se apresentar de forma episódica ou crônica. Embora existam variações na experiência da dor, as crises de dor são comuns à doença. As crises são episódios agudos e recorrentes de dor. A vaso-oclusão e o suprimento de oxigênio prejudicado (dor inflamatória) são as causas mais comuns de dor nociceptiva aguda, que pode afetar tanto crianças quanto adultos. (Hyacinth, 2020).

Se observarmos a dor sentida pelas pessoas com doença falciforme e colocarmos a dor nociceptiva em um lado do espectro, a dor neuropática estaria no extremo oposto do espectro. A dor nociceptiva inflamatória, que geralmente é aguda, pode ser tratada com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) ou, se necessário, opioides. A dor neuropática, decorrente de mecanismos centrais, como acidente vascular cerebral, ou de danos isquêmicos aos nervos, é mais complexa e o regime de tratamento não é simples. (Hyacinth, 2020) (Molokie, 2020).

Impacto da dor na qualidade de vida

Em um estudo observacional realizado por Santos, et al. 69,7% dos pacientes adultos com doença falciforme crônica apresentaram dor neuropática com base no Douleur Neuropatique Questionnaire (DN-4). Além disso, os pacientes com DF que apresentavam dor neuropática tinham escores significativamente piores em todos os índices medidos com o questionário breve de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (p < 0,05). (Santos, 2021).

Como os pacientes com doença falciforme frequentemente precisam de tratamentos médicos complexos para lidar com a doença, esses tratamentos se tornam o ponto focal do tratamento, enquanto a capacidade funcional do paciente recebe menos atenção. Não é de surpreender que episódios frequentes e graves de dor possam ser debilitantes e ter um impacto negativo nas atividades diárias. Também não é de surpreender que, quando comparadas a crianças saudáveis, as crianças com DF tenham uma pontuação mais baixa na qualidade de vida relacionada à saúde (HRQOL). (Hyacinth, 2020).

A mensuração da dor em pacientes com doença falciforme em comparação com controles saudáveis

Hyacinth et al. realizaram o QST térmico em 48 crianças e adolescentes com doença falciforme crônica. Eles descobriram que 27% dessas crianças tinham resultados sensoriais anormais em termos de sensação de frio, calor ou limiares de dor térmica em comparação com dados normativos. É interessante notar que essas crianças apresentaram frequências mais altas de internações clínicas devido a crises de dor vaso-oclusiva em comparação com crianças com padrões sensoriais normais, embora a dor clínica no momento do teste em ambos os grupos fosse igual (Hyacinth, 2020).

Molokie, et al. compararam as respostas a estímulos térmicos padronizados entre 186 pacientes afro-americanos com dor de DF com um grupo de controle saudável. Os participantes foram testados usando o TSA-II da Medoc com thermode de 30×30 mm. O Método de Limites, sem sobreposição de áreas de teste a uma taxa lenta de 0,5°C/seg., foi utilizado para identificar a sensação de frio (CS), a sensação de calor (WS), a dor por calor (HPT) e os limiares de dor por frio (CPT). Eles foram testados em dois locais dolorosos, bem como em um local de referência não doloroso, em um total de seis locais opcionais. Sempre que possível, o antebraço anterior foi usado como local de referência tanto para os pacientes com DF quanto para os participantes saudáveis. Dessa forma, os pesquisadores conseguiram realizar uma avaliação quantitativa da função do nervo sensorial de pequeno calibre (fibras A-δ e C). Eles se esforçaram para que os locais de dor dos pacientes testados estivessem no lado oposto do corpo em relação ao local de referência. Foram realizadas de três a cinco repetições em cada local, e a média das três medições mais próximas foi calculada para identificar o limiar de dor ao frio e o limiar de dor ao calor. (Molokie, 2020)

A sensibilização foi definida como HPT ou CPT dentro de 0,5°C da linha de base para a extremidade superior, e 1,5°C para a extremidade inferior, ou esses limiares classificados como 6/10 na intensidade da dor na Escala Numérica de Intensidade da Dor (END). A porcentagem de pacientes com DF que apresentaram sensibilização no local de referência a pelo menos um tipo de estímulo foi de 23%, enquanto o grupo de controle apresentou apenas 12%. Essa diferença entre os pacientes com DF e os controles foi estatisticamente significativa em todos os locais. Os grupos também foram comparados em relação a qualquer sensibilização nos três locais testados; esses resultados também foram estatisticamente significativos. A prevalência de sensibilização entre os pacientes com DF foi de 32% contra 16% para os controles (P = 0,004). Em outras palavras, os pesquisadores encontraram maior incidência de sensibilização (alodinia e hiperalgesia) na DF, apontando para um componente neuropático nesse distúrbio. (Molokie, 2020)

Implicações para o paciente com doença falciforme

Agora sabemos que os pacientes com doença falciforme podem sofrer mais de um tipo de dor. Existem dores decorrentes de problemas agudos relacionados à doença falciforme, como úlceras nas pernas ou necrose avascular, e há também crises agudas de dor inflamatória ou isquêmica. (Hyacinth, 2020). É importante observar a presença de um componente neuropático na dor, associado a limiares térmicos anormais, conforme indicado pela incidência de alodinia e hiperalgesia durante o QST. (Molokie, 2020; Hyacinth, 2020).

Enquanto a dor de origem inflamatória, assim como as crises agudas de dor, podem ser tratadas com AINEs e/ou opioides, os tratamentos da dor neuropática são menos simples. O uso de testes sensoriais quantitativos em pacientes com DF amplia a capacidade do clínico de identificar a dor neuropática e prescrever um tratamento que vise os mecanismos associados à dor neuropática, oferecendo a esses pacientes complexos a possibilidade de uma melhor qualidade de vida. (Molokie, 2020).

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